sábado, 3 de maio de 2008

DEZ DE JULHO (2006)


[ a voz de um fígado]




------------ Não foi sempre esse deboche e eu não fui sempre tão sério, mas eu estava sério porque não estava mentindo, porque eu ardia e mergulhava naquilo que eu estava sentindo e que a muito custo- SIM, É PRECISO QUE EU REVELE – me custava muito poder me entregar, assim, INTEIRO, com portas e janelas escancaradas, mostrar o eu escondido ou aquela parte que existe na gente sem raciocício, sentindo sem pontuação- ilógica e desordenada- que não tem começo muito menos fim... sombra e balburdio... e eu mostrei a você tudo isso... que nem a mim mesmo eu tinha coragem suficiente para. Que me encabulava tanto,eu tenho tanta vergonha de ser como eu sou. E eu fui mais do que eu costumeiramente sou, porque desmascarado, e isso me custou muito esforço...

Não te culpo por nada, não se culpe também... devagarzinho vai subindo um sono sonso e vou pensando que o que quero muito é me enrolar neste cobertor-que-me-esquenta-e-protege, e fechar meus olhos de “retinas fatigadas” (como aqueles que viram pedras no meio do caminho e nunca se esquecerão deste acontecimento) e dormir a tarde inteira, o resto da vida toda, ou me acordar e sentir que ainda tenho alguma certeza... que eu sei de alguma coisa qualquer que me é vaga- e que essa certeza me faça sentir vivo, pulsando, respirando sem esse aperto que vai sufocando aqui na garganta, no peito...


Olho pra essa gente toda, esse amontoado de seres que formam esse aglomerado que convencionalmente chamam humanidade e sinto ânsia de vômito ( seria só pela ressaca ? ) e quero num desespero que me golpeia os pulmões cotidianamente me distinguir deles todos, ser uma outra coisa que não humano. Porque eles me dão asco, medo, pena...e eles são um conjunto de ratos sujos, perversos e burros . Não sabem de sua condição de rato, não sabem que são só matéria apodrecendo a olhos vistos, que estão acabando, acabando, acabados.



Paro de escrever por um tempo.
Lembro da maldição da bruxa.A cidade madrugando e ela toda de preto, à beira do Guaíba, os cabelos soltos, remexidos pelo vento, dançando e apontando pra mim - para nós - e gritando : “EU TE AMALDIÇOO” e eu continuando a olhar pra ela e pensando “ por quê?” [...]


Eu teria decido até lá e quebrado todos os ossos daquela desgraçada. Arrancado os dentes, perfurado os olhos. Mas eu estava tão contente, eu estava ainda tão feliz... Você não percebe esta felicidade em mim? Como? É, eu sei, eu disse a você que você não percebe quase nada... ou percebe as coisas de uma maneira equivocada. Eu pude perceber isso quando você me conheceu e disse “ Como um guri tão bonito pode ser tão triste?” E eu fiquei quieto, não te corrigi o engodo, pois precisava ouvir alguém dizer que me achava bonito, mesmo que eu não acreditasse nisso, por me olhar todos os dias - bem de perto - no espelho.



E em cada passo que dávamos no asfalto poluído e quanto mais a tempestade nos alcançava –as tempestades surgem depois do calor escaldante- e nos perdíamos e não chegávamos a um lugar seguro, começava a me dar um aperto e um medo –no osso do peito- porque de repente eu pensei que nós nunca ,nunca, nunca mesmo conseguiríamos chegar onde pretendíamos. E veio um arrependimento, porque eu pensei nas noites em que eu ficava em casa, seguro, trancado no meu quarto, sem querer falar com ninguém. E comecei a rir muito, porque, subitamente dei-me conta de que estava exatamente onde queria estar (como a frase de Brilho Eterno de uma mente sem Lembranças). E que eu estava feliz. Muito feliz. Era eu mesmo outra vez, depois de tantos simulacros, respirando molhado, tomado de frio, todo sujo, todo vivo. Eu estava SENDO.

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