terça-feira, 27 de abril de 2010

Banquete Dionisíaco









Distante da ânsia catalogadora do homem, sempre preocupado em nomear/classificar os fenômenos que o cercam, para entendê-los e dominá-los (e, portanto deter poder sobre eles); a sexualidade humana é complexa, cambiante, variável. Talvez por isso, historicamente, muitas mitologias foram invocadas para comportar essa fluidez desordenada dionisíaca em padrões apolíneos de exercício da sexualidade. Especialmente com o advento do cristianismo, muitos preceitos e preconceitos a respeito do corpo e do sexo ganharam força e estatuto de verdade. A separação corpo-alma, neste sentido, foi uma das forças fundadoras da construção estrutural das civilizações ocidentais, enraizadas ideologicamente, grosso modo, em paradigmas greco-romanos mesclados com a tradição hebraico-cristã.




Justamente por ser potencialmente perigosa ao discurso centralizador hegemônico (do homem/branco/heterossexual, com suas divisões cartesianas), a questão sexual foi sistematicamente lateralizada, tendo a sua relevância esvaziada naquilo que chamamos de a ordem do dia. Entretanto, mesmo os críticos da psicanálise freudiana e aqueles que consideram os debates sobre a sexualidade como algo frívolo e menor, devem concordar que as discussões sobre sexo e a diversidade sexual assumem, atualmente, uma posição preponderante nas relações humanas, pelas colorações e conotações culturais que as variantes sexuais sempre receberam e recebem.


Em Pensando sexo: Notas para uma Teoria Radical de Políticas de Sexualidade, Gayles Rubin apresenta um consistente panorama histórico cultural do sexo, e aponta para a necessidade da criação de uma teoria (como diz o título) radical de políticas de sexualidade. O texto de Rubin desconstrói vários discursos naturalizados (Foucault) sobre a sexualidade e narra algumas atrocidades cometidas por uma sociedade que se por um lado não convive bem com o diferente, por outro se tranqüiliza com a mitificação do incompreensível, e com o acobertamento hipócrita daquilo que fere o virtual virtuosismo individual e social.




Dentre os temas trazidos pelo texto da antropóloga, a questão dos profissionais do sexo, das relações intergeracionais e da promiscuidade sexual me chamaram a atenção, pois, via de regra, os debates de gênero são tomados de um lado por anseios feministas e de outro pelos homossexuais buscando a inserção social.




Existe ainda um maciço preconceito contra aqueles que por necessidade financeira, ou escolha própria, trilham o árduo caminho da prostituição ou da pornografia. A incursão da atriz Leila Lopes (ex-global) pelos filmes pornográficos, e o tratamento dado a ela pelo grande público, ilustra bem o posicionamento hipócrita do brasileiro que consome, mas condena a pornografia. Semelhante fenômeno ocorre em relação à prostituição, fomentada e amaldiçoada pelos mesmos atores sociais, permanecendo na clandestinidade, sem uma legislação que regulamente e proteja estes profissionais. Por outro lado, a escolha de um exercício de uma sexualidade livre, a troca de parceiros, só é bem-vinda e aplaudida se praticada por homens heterossexuais. Quantas vezes o sexo monogâmico (sacramentado pelo amor) não se revela como mera falácia discursiva?




Por fim, a questão mais espinhosa, e que foi tratada pelo filósofo Luis Felipe Pondé, em sua coluna na Folha de São Paulo, intitulada Sade de Batina, nos coloca diante de uma delicada, controversa e discutível questão: a pedofilia. A defesa da diversidade sexual deveria incluir a defesa do sujeito que se interessa sexualmente por menores de idade? Seria essa uma sexualidade consensual e saudável para ambas as partes envolvidas? Pelo visto, os debates de gênero e sexo serão sempre necessários e mais do que pela produção de respostas, serão indubitavelmente válidos pela indução a novas perguntas. Mesmo que necessitemos sim, de algumas respostas – ainda que provisórias – diante dos múltiplos questionamentos.