sábado, 3 de maio de 2008




“Sim,disse ela. Este mundo não passava de uma piada após outra: se alguém escrevesse um livro sobre a sua vida, ninguém jamais acreditaria” (Nabokov, Vladimir. Lolita)



São Leopoldo, 11 de julho de 2007.



Mariano,







Escrevo esta carta-em-movimento. Estou no trem, mas me sinto paralisado. Estancado. Um recorte retangular de sol me aquece, de leve. Lembro de outro sol; esse mais vivo, quase ofuscante que rebrilhava em outro vagão, em outro tempo... lembro que escrevi- ou pensei- que os olhos humanos não são feitos para tanta luz... ninguém suporta tanta luz. Era outro trem, outra estação: dois de novembro. E, agora, enfrento o inverno de frio mais dilacerante de toda a minha vida. O vento vai com volúpia me arrastando, gelando meus ossos, músculos e alma. Ainda estou distante do fim da linha, contudo, temo que certas viagens, estão encerradas para mim...

Não vou me preocupar com nada ao escrever esta carta. A preocupação estética-artística é falsete e eu quero essa carta com poros abertos, com olheiras negras, sem maquiagem ou pudor... Isso parece simples? Não é. Não acredito que existam coisas simples, o que existe é uma visão simplificada e redutora das coisas. E, escrever com verdade –não se deixar levar pelo fluxo sonoro das palavras ou usar aquelas que imprecisamente contam o que se quer dizer- é muito difícil. Exige muita humildade- quem sabe até humilhação. Mas o que seria pra mim, meu amigo, mais uma humilhação? Logo eu , que experimentei as mais amargas e ardentes humilhações que alguém pode pretender provar? ( E, não pense que faço ficção, bem gostaria de te contar uma mentira bonita, pra te fazer sorrir).

Quero te contar que hoje novamente não fui desprezado pelo desespero. Sim, ele me ama, amante eterno que vem – todos os dias- me ver, me possuir, me cravar dentes duros no peito.

Tudo o que eu esperava da vida descumpriu-se prontamente e com pressa. Desconstrui todos os sentimentos e encardi meus cinco sentidos de cem mil formas.Já não sei definir o que sinto com os habituais nomes... é tudo tão confuso, mesclado, híbrido, quebrável, movediço... Amodeio tudo que tive e não detive. O indelével tão transitório, escapável. (Mas, recorrendo a um lugar-comum-terrívelmente insubstituível, sempre achei deprimente aquelas borboletas fixadas mortas em moldura de vidro). Os verbos da minha vida foram todos vis, intransitivos, incompletos.

Acho que estou doente, e isso que move esse texto.Não. Não vou morrer, mas apodrecer vivo como vaso-ruim-que-não-quebra-fácil-mas-racha... é dessas rachaduras duras que eu quero te falar... é por elas que entra esse vento ( tão frio, tão forte)... Você sabe que uma árvore nunca morre do mesmo modo como morre um ser humano... assim, instantaneamente... Não, uma árvore, por mais lacerada que esteja, seca aos poucos, lentamente... nós , humanos, passamos por elas e as imaginamos vivas.... e elas lá agonizantes, mas de fuste ereto. Podres e de pé.Com uma vida virtual. Eu ia dizer que me sinto como uma dessas árvores: pura metáfora canastrona. Sou a própria árvore de casca sã e de cerne, seivas –bruta e elaborada – putrefatos.





Espero que tenha encontrado em São Paulo um ponto alto pros teus sonhos, um corpo aberto pros teus sorrisos, e estímulos para tuas fotografias.

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