domingo, 17 de agosto de 2008

A Existência em Branco e Preto




Os Sentidos e as Sensações da fotografia de Ramon Gewehr





Algum leitor incauto poderia ler, no título acima, algum descrédito ou desqualificação pela fotografia do jovem e talentoso Ramon Gewehr. Ledo engano. É justamente pela escolha do preto e branco – em detrimento de um colorido clichê –, esgarçado pelo seu uso constante e comercializável, que Ramon opta por registrar em preto e branco as suas imagens. É por reconhecer que as cores foram gastas –e estigmatizadas, constituindo um artificial colorido –que o fotógrafo opta pelo preto e branco.






A ausência de cores e a soma de todas as cores que, em diálogo e não em combate, formam a imagem. Imagem que não é mera imagem. Imagem que é uma viagem não programada pelos caminhos da imaginação: incontornáveis e móveis. Imagem fecunda de sentidos que não se entrega fácil e convida constantemente o espectador a , com ela, travar um contato corpóreo na busca de sentidos e sensações. Como no próprio movimento existencial que se configura pelo encontro de contrários em contraste. Admitindo-se as matizes intermediárias (a grande escala dos cinzas) tão necessárias como as radicalizações – que seriam, nesta leitura, emblematizadas pelo branco e preto.




Conheci Ramon em uma dessas noites de desespero e de desencanto, desenrolada de dramas darks. Foi Djalma Nobato a responsável pelo nosso encontro. Travado à distância – não me envergonho de confessar que, em um primeiro momento, foram a beleza e as palavras de Ramon que me embalaram em encantos. Com o passar do tempo e, depois de conhecê-lo pessoalmente, esfarelei a primeira impressão, e, no seu lugar, brotou uma profunda admiração por esse cara que, definitivamente, tem muito mais a mostrar além do belo-rosto-e-porte e do simpático sorriso.

Ramon e eu somos diferentes. E como somos. Mas, não residiria aí o trunfo do nosso contado? Gewehr surgiu na minha vida não para responder perguntas, apontar caminhos, fechar idéias em conceitos. Ramon trouxe novos questionamentos, ângulos diferenciados. Perguntas inéditas que bem sei, não ousam calar-se. Ramon trouxe a descontração e o descontrole, me empurrando a me enxergar de novo no espelho. Ramon devolveu minha identidade integra, tão machucada por farsas tentadas em vão.


Se em alguma medida exala pessimismo a fotografia de Gewehr? Talvez. Mas não um pessimismo tacanho, fechado, apocalíptico. Um pessimismo que admite que o colorido da vida só é válido se fizer-se de fato sem grandes artifícios. Se for espontâneo e não simplesmente retórico, sem estar encarcerado a etiquetas de valor. Um “pessimismo” otimista em admitir os pólos negativos como força componente e essencial da existência. “A vida não corre colorida o tempo todo”, parece nos indicar a sua arte. E no entanto, nisso não há desespero. Há beleza. Fruição estética possível – e quase obrigatória. Essa é sua luz que não ilumina certezas, nem o pretende. Mas que dignifica os instantes, imprimindo a eles significações. Sem a arrogância dos que se promulgam donos de alguma verdade, com forjada autoridade para criticar condutas e/ou valorizar modos de existir caquéticos, que fazem vista grossa ao caótico da vida. Caos tão incomportado e sensualmente rebelde existente por detrás das teorizações.

Gewehr é um artista instintivo que reconhece que, se por um lado a fotografia é um recorte limitado de uma realidade; paradoxalmente, é por meio dela que se possibilita a dilatação de sentidos e sensações. Sua fotografia rompe com a rotina retilínea de retinas que rumam rústicas, secas de sonhos. Neste movimento de emoção estética em transe, sua fotografia transita por territórios que não se contêm em fórmulas prontas, enlatadas “que já foram armadas antes de eu nascer”, como cantou a rouca voz de Cazuza.

E isso é um dom, Ramon.












Um comentário:

Francine Esqueda disse...

Nossa! ... sempre fico contente quando encontro blogs como este!
Parabéns pelo visual e pelo clima maravilhoso!
Adorei estas imagens!
Voltarei!
Beijos