e, procurei com desespero e teatralidade imitar a forma humana e cotidiana de por pé ante pé; andar. com simplicidade. Com a máscara neutra. Só se efetuava uma dança. Sem efeitos. Não fui notado.
Tivesse eu a coragem para esvaziar meus olhos, como Édipo... para deixar de ver ... era inútil. Era irreversivelmente visível. Claro. Como se houvessem tantos holofotes. Um generoso close. Longo e monótono. com movimentos comedidos...
Como seria feliz se não soubesse. Se pudesse, novamente,como quando criança, correr para um espelho e representar. Representar, representar,representar. Um presente duplo. Um estar presente , ausente de mim, ausente da realidade. Inventava um tom de voz distante do meu; não raras vezes, alterava meu sexo, adulterando, assim, minha dor, minha pequenez, minha fragilidade. Ressignificando minha identidade, pondo-a em trânsito constante e irrepresável.
Eu era ínfimo diante do mundo. Aquele mundo de cinismo, falsidade, o exército enfileirado do vazio. As mesmas vozes repetindo os mesmos repertórios . À exaustão. Toda aquela podridão, lixo, detritos. E eu sonhando canduras. E eu doce . Como uma virgem-medieval. E eu , ridiculamente debruçado sobre livros, lendo versos de amor. Acreditando no amor.Eu distante daquele mundo, tão mudo pra mim, porque eu era oco e solto, solto.
Flutuava.
Então eu me calava. E era eu comigo mesmo que sorria, fantasiava,e,de algum modo, torto e rarefeito, vivia. Ensaiava viver. Ou sentava em um canto, chorando abafado, pra não ser descoberto por ninguém. Os soluços trancados na garganta pesada, dolorida. Machucada. Naquele tempo eu sou uma criança rejeitada, que nunca chegará a ser amada.
Aquele eu-tempo-passado... passou ?
O Real não pode ser evitado. Pensei, como disse Fernando, que pudesse tomar mais um drinque, para esquecer. Sei das tomadas, dos capítulos próximos, ... um drinque seria só mais um drinque. Só mais uma ressaca. A tempestade em mim é mais devastadora. Faz dos sonhos, escombros. Relampeja.
(porque fui tão estúpido? só quis ser feliz, )
Nunca amei como amo . das vértebras à epiderme.cada palavra dita ganhando o mundo substanciosa, carnal.Visceralmente verdadeira. Meio fluxo sanguíneo, meio neon.
Mas o grande organismo do tempo, me mastiga; me faz em trapos: estralhaça. Minha carcaça atrairá moscas e urubus? Quando se é verdadeiro, se é massacrado.Assim como quando há uma entrega irrestrita ao amor, se é premiado com traições.
Eu trêmulo escrevendo D E L G A D O em uma faixa branca.O negro da tinta se espalhando em borrões delineados.
(Deixo a tua casa)Como essa chuva não-ácida mas corrosiva, que não é como as outras chuvas... Aquelas primeiras. Eu te dava os dedos e a palma e te sentia ... e enfrentava censores, famílias inteiras: duas. Tinha uma espada na alma e um escudo de desejo no corpo.
Dividíamos a cama, o calor. E eu criei posses imaginárias para te presentear. Enfeitei meus toscos recursos, para ser aconchegante... mas fui pouco. bem pouco. Meu peito é quase largo, mas não é um tanque de combate.
Cem mil vezes apunhalado. Pela opressão dos outros, tão cooperativa e sensata. A prepotência do senso comum, preponderando, deliberando... Cem mil vezes apunhalado. Pelos meus sentimentos.
Pus minha assinatura em pedaços de carne sangrentos. Meu ventre latejava doído.
Eu não mais sentia ódio. Era só o paroxismo da melancolia. Como se fosse a primeira-última-e-derradeira. Como é difícil, mas necessário.
Estou sozinho, sem estacas, sem tutores. Sem verbo de lamento.
Sem beleza.