terça-feira, 14 de setembro de 2010

A Nau Frágil





As mulheres e as crianças são as primeiras que /desistem de afundar navios. Essas duas linhas que compõem o poema Cartilha da Cura - curtas pela extensão, intensas pelos significados - foram o meu primeiro contato com o lirismo intempestivo, por vezes nebuloso, mas sempre vivo, feroz e voraz de Ana Cristina César. Interessado em saber mais sobre a mulher que, com mínimos recursos, tangia a mais densa profundidade, desvendando a tensão por detrás das convenientes máscaras que delimitam a selvageria da vida em quadros aceitáveis; procurei relatos biográficos e descobri que Ana Cristina havia sido uma mulher misteriosa, bela e erudita, que cometera suicídio aos 31 anos de idade no início da década de 1980. É claro que a personalidade literária e pessoal da escritora não se restringem a estes rótulos rasos, mas estes oferecem algumas pistas, indícios, rastros da trajetória de um dos expoentes da chamada geração mimeógrafo (ou poesia marginal) .






O tema do suícidio sempre exerceu sobre mim um estranho fascínio: por ser um dos tabus da nossa sociedade, por suscitar questionamentos religiosos, ideológicos e, mais que isso, ser considerado o ato de covardia mais corajoso que um ser humano é capaz de comenter. A finitude da existência e o além-morte são zonas desconhecidas, apenas suspeitadas, que só podem ser pisadas ou experimentadas uma única vez, em um só golpe. Talvez por isso, a poesia de Ana Cristina César tenha fundidido o lírico ao proibido, transformado palavras em viva carne, extravazado fronteiras, inclusive tornando indissociáveis (me desculpem os estruturalistas russos) o biográfico do ficcional.



É desta mistura entre arte e vida, que é cometido o espetáculo O Navio no espaço - ou Ana Cristina César, com texto de Maria Helena Kühner, adaptação de Walter Daguerre e direção de Paulo José. De cara, somos confrontados com a presença do ator Paulo José, sentado em uma cadeira de escritório, com muitos papeis avulsos sobre a mesa, interpretando a si mesmo, se comunicando com o público de forma direta e informal. A proximidade é tanta que provoca a impressão de que não entramos em um teatro, e de que não estamos assistindo a um ator dando um texto escrito, e sim,de que estamos diante de um velho conhecido, tamanho o grau de naturalidade alcançado. Paulo José logo nos conta como conheceu Ana, a então analista de textos da Rede Globo de Televisão, que avaliava com rigor os textos escritos para o popular Caso Verdade, um programa de temas infelizes com final feliz. O embate entre um homem de televisão e uma jovem intelectual (na época, recém titulada Mestre em Teoria e Prática de Tradução Literária, na Inglaterra) ganha contornos cômicos. É impossível não rir - ou sorrir - diante da resposta de Ana a respeito da programação televisiva: "- Eu não vejo Tv.".



Entra em cena, então, a atriz Ana Kutner, com uma camiseta de listras naúticas, representando, de modo performático, a mítica Ana Cristina César. O contraste entre os atores é nítido e proposital, em um espetáculo fundado por antíteses, com a contradição e a contravenção como forma e foco. Sobre a atuação de Kutner, tive uma impressão ambivalente. Ela acerta o tom quando dá forma às afiadas palavras de A.C.César. Erra ao não transitar bem, nem pelas fases retradas em cena (infância, adolescência, vida adulta), nem pelas nuances pscicológicas intermediárias que compunham a complexa mente da escritora. Em muitos momentos, não consegui visualizar a mulher ardendo de vida, a escritora com a boca voraz querendo dizer o mundo, camaleônica e livre. Enxerguei uma menina mimada e insegura, circunscrita a seu quarto de pretensões, que jamais teria escrito textos tão viscerais e traduzido poetas como T.S. Elliot, Mallarmé e Sylvia Plath.



Fora esta ressalva, cumpre ressaltar o deleite estético obtido na feliz composição do cenário (assinada por Mello da Costa). Além da ambientação do escritório já referida; na lateral direita do palco, haviam espelhos suspensos, que distorciam e refletiam as projeções das palavras datilografadas dos textos de Ana Cristina em um painel de fundo. O excelente trabalho de videografismo e animação dos irmãos Vilaroca, em combinação com uma trilha sonora adequada, enleiam a atenção do público, e inundam o palco de beleza e lirismo. O hibridismo de mídias e de linguagens, assim como a ausência de uma linearidade e de um enredo tradicionais, funciona muito bem em um espetáculo que retrata a trajetória e a estética de uma escritora cuja vida e obra se baseiam no irrefreável ensejo de cruzar os limites dos abismos. Se a montagem por vezes parece um ensaio, isso se deve a uma possível tradução oblíqua de uma escrita porosa, com lacunas e aspecto de esboço, próprios da produção literária da geração dos poetas brasileiros marginais de então.



Outro aspecto positivo do texto que mescla correspondência pessoal, trechos de diários e poesias, se dá em um momento de questionamento e de angústia (A FALA ENTUPIDA) da artista ( tradutora e assídua leitora) diante do desejo de encontrar uma dicção própria, a originalidade da palavra: dizer o ainda não dito. Destaco também a multiplicidade de visões posta em cena sobre a escritora, não afunilando em uma única leitura explicações e motivações para o suicídio da poeta. O Navio no Espaço- ou Ana Cristina César, traz à tona escritos e momentos de vida da personagem-título, por isso merece ser visto e sentido. Não para responder um questionamento qualquer. Mas para afirmar e reafirmar, como toda obra de arte de qualidade, nossas irrespondíveis interrogações.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

domingo, 2 de maio de 2010

Pesos e Medidas: Inabalável Mundo Velho




Uma vez que ninguém pode sem crime, espoliar seu semelhante, escravizá-lo ou matá-lo, [os colonizadores] consideram como princípio que o colonizado não é um semelhante do homem... Nada será poupado para liquidar-lhes as tradições, substituir-lhes as línguas, para destruir sua cultura sem lhes dar a nossa... se ele resiste, os soldados atiram, é um homem morto; se cede, se degrada, não é mais um homem; e o medo e a vergonha fissuram seu caráter, desintegrando sua pessoa.

[SARTRE. Jean-Paul. in prefácio à Franz Fanon: Les damnés de la terre.]







A Liberdade sempre foi um tema que fascinou, instigou, e despertou o interesse de filósofos, intelectuais e artistas. Para os gregos, os rumos humanos estavam subjugados às Moiras – as três sinistras irmãs que teciam os destinos dos deuses e dos mortais –; mais tarde, para os judeus, e posteriormente para os cristãos, a vida dos homens era comandada pela providência divina, que vigiava e punia; para o filósofo Jean-Paul Sartre, estamos condenados a ser livres; e para a poeta Cecília Meireles, LIBERDADE é palavra que o sonho humano alimenta/ que não há ninguém que explique e ninguém que não entenda. O motivo de tão abundante ocorrência em diversas áreas de conhecimento se deve exatamente pela ausência de liberdade, implícita ou explícita, em diversos períodos históricos e em variados contextos culturais, sendo, portanto, praticamente indissociável da própria história do ser humano sobre a face da Terra.

Em Quanto Vale ou é Por Quilo?, Ernani Poeta (utilizando o mesmo título do filme de Sérgio Bianchi) recaptura a questão da liberdade humana transpondo-a cenicamente, em forma de musical, examinando o denso e tenso tema do tráfico humano e seus desdobramentos: a prostituição e o tráfico de órgãos.

Em uma éspécie de prólogo, a peça começa com uma ruptura de expectativa do público: os três sinais que pontuam o início do espetáculo soam enquanto as pessoas ainda esperavam  do lado de fora do teatro Renascença. Passado o estranhamento inicial, logo a plateia, de pé, e entre conversas, se cala (ao menos em parte), diante do enfileiramento do elenco atrás das portas de vidro. A analogia é clara: os atores são postos como produtos em uma vitrine, representado, portanto, sujeitos com sua individualidade e valores violados, reduzidos a condição de mercadoria. É interessante perceber a provocação de Poeta: ao deslocar a plateia de sua posição “natural”, isto é, sentada confortavelmente nas poltronas do teatro, ele nos prepara para o encontro com personagens também deslocados de seu posicionamento "natural", destituídos de sua condição humana: se tratam de   sujeitos tomados como objetos.

A objetivização do sujeito prossegue quando  Evelyn Roe (Cláudia Rocha) surge cantando sua trágica história sobre uma caixa de madeira, ocupada por um ator. Destaque para a bela voz da atriz e para o figurino e maquiagem, condizentes com sua tétrica tajetória. Aliás, plasticamente, a iluminação e a economia de cores e de apetrechos cênicos,  funciona muito bem em um espetáculo que se dispõe a refletir sobre a miséria humana  tanto dos explorados quanto dos exploradores.

Com a entrada de Mack, Jhonny e Barrabas (Juliano Fortini, Pedro Andrade  e Daniel Vasconcellos, respectivamente), o trio dos exploradores, já se pode vislumbrar que a abordagem de Poeta recorrerá a uma divisão maniqueísta dos personagens, superficialmente presos a sua condição emblemática. E aqui o texto perde um pouco a força dramática pela tinta forte utilizada pelo diretor-autor. Não enxergamos, em momento algum, a humanidade desses personagens, nem da Madame (Roberta Turski). Eles não vacilam, não tem profundidade psíquica, apenas agem  de acordo com sua volúpia mercantilista.

Semelhante fenômeno se  observa com  Jenny, Dóris, Justine e Shirley (Marci Berselli, Helena de Bem, Lílian Roisenberg e Graziela Franco) todas –mulheres!– frágeis vítimas de um  cruel sistema. É como se todas formassem um único personagem desdobrado em quatro, cujas narrativas, mentes, e conflitos, fragilmente se esboçam em cena. Um tema que por si só já emociona não precisa recorrer a este tipo de expediente de melodramatização. Hoje em dia, sabe-se que as relações de poder não são fixas, sendo que as posições de dominante e dominado flutuam, se cruzam, se (con)fundem.  Outro ponto baixo foi a repetição do já batido texto de Bertolt Brecht que fala para não tomarmos como natural  o que é de hábito. A repetição deve ser um recurso utilizado com cálculo de intenção. Excessiva não provoca a ênfase, mas o esvaziamento de sentidos.

E por falar em esvaziamento de sentidos, em alguns momentos as músicas, com letras de Brecht, não se inserem da melhor maneira na estrutura do espetáculo, por não efetivarem uma  progressão narrativa. O que conferiu, em alguns momentos, o aspecto de uma colcha de retalhos mal-costurada.

Fora os tropeços de concepção, cabe ressaltar a sintonia entre os atores (com boas atuações); a excelente entrada do povo protestante, marcando o início do segundo ato com a canção Ao Invés de, pela impressão de  novo ritmo ao tom lúgubre reinante; a música do pianista Gilson Geiger; e, especialmente, o diálogo entre a Madame e o Inspetor Chaves, revelando o cinismo e o jogo de interesses nesse embate.

  Como era de se esperar, o término da peça se dá de modo pessimista – com a morte de Mack (o lado mais fraco desta corrente), com a comprovação da conivência da polícia, e com o estupro de Justine (a única traficada, de fato, rebelde) por Barrabás – dando a entender que o ciclo de exploração não se encerra com o fechamento das cortinas. A universalidade e atemporalidade do tema ficam bem expressas pela ausência de uma moldura espaçotemporal, um grande acerto de Poeta. A ideia de um ciclo vicioso pode ser lida pela estrutura circular do espetáculo, cujo Gran Finale se dá novamente com o canto de Evelyn Roe, desta vez sobre diversos corpos. 

Apesar de discordar da insistência em culpabilizar o público e a sociedade e do meu desconforto com o discurso de vitimização das personagens para ganhar a adesão do espectador, Quanto Vale ou é Por Quilo?, certamente, é um espetáculo com fôlego para novas temporadas, que merece ser visto e debatido. Para lembrar que as artes cênicas, muito mais que distrair ou entreter, nos colocam em face de nós mesmos, para nosso espanto e nossa  íntima identificação. E, do espanto e da identificação, nascem a nossa autonomia de pensamento e de ação. E, novamente, falo de liberdade, citando Rosa Luxemburg, para quem  a liberdade é sempre unicamente a liberdade de quem pensa diferente. 








FICHA TÉCNICA:


Texto de Ernani Poeta, com músicas de Kurt Weill e letras de Bertolt Brecht.
Direção: Ernani Poeta
Fotografia: Myra Gonçalves
Elenco: Ana Carolina Santana, Andréa Almeida, Bruno Cardoso, Cláudia Rocha, Daniel Vasconcellos, Diego Brasil, Diego Farias, Fabiana Guiguer, Graziela Franco, Guilherme Nervo, Helena de Bem, Henrique Gonçalves, Juliano Fortini, Lílian Roisenberg, Marci Berselli, Pedro Andrade, Roberta Turski e Tatiane Gonçalves.
Pianista Convidado: Gilson Geiger







terça-feira, 27 de abril de 2010

Banquete Dionisíaco









Distante da ânsia catalogadora do homem, sempre preocupado em nomear/classificar os fenômenos que o cercam, para entendê-los e dominá-los (e, portanto deter poder sobre eles); a sexualidade humana é complexa, cambiante, variável. Talvez por isso, historicamente, muitas mitologias foram invocadas para comportar essa fluidez desordenada dionisíaca em padrões apolíneos de exercício da sexualidade. Especialmente com o advento do cristianismo, muitos preceitos e preconceitos a respeito do corpo e do sexo ganharam força e estatuto de verdade. A separação corpo-alma, neste sentido, foi uma das forças fundadoras da construção estrutural das civilizações ocidentais, enraizadas ideologicamente, grosso modo, em paradigmas greco-romanos mesclados com a tradição hebraico-cristã.




Justamente por ser potencialmente perigosa ao discurso centralizador hegemônico (do homem/branco/heterossexual, com suas divisões cartesianas), a questão sexual foi sistematicamente lateralizada, tendo a sua relevância esvaziada naquilo que chamamos de a ordem do dia. Entretanto, mesmo os críticos da psicanálise freudiana e aqueles que consideram os debates sobre a sexualidade como algo frívolo e menor, devem concordar que as discussões sobre sexo e a diversidade sexual assumem, atualmente, uma posição preponderante nas relações humanas, pelas colorações e conotações culturais que as variantes sexuais sempre receberam e recebem.


Em Pensando sexo: Notas para uma Teoria Radical de Políticas de Sexualidade, Gayles Rubin apresenta um consistente panorama histórico cultural do sexo, e aponta para a necessidade da criação de uma teoria (como diz o título) radical de políticas de sexualidade. O texto de Rubin desconstrói vários discursos naturalizados (Foucault) sobre a sexualidade e narra algumas atrocidades cometidas por uma sociedade que se por um lado não convive bem com o diferente, por outro se tranqüiliza com a mitificação do incompreensível, e com o acobertamento hipócrita daquilo que fere o virtual virtuosismo individual e social.




Dentre os temas trazidos pelo texto da antropóloga, a questão dos profissionais do sexo, das relações intergeracionais e da promiscuidade sexual me chamaram a atenção, pois, via de regra, os debates de gênero são tomados de um lado por anseios feministas e de outro pelos homossexuais buscando a inserção social.




Existe ainda um maciço preconceito contra aqueles que por necessidade financeira, ou escolha própria, trilham o árduo caminho da prostituição ou da pornografia. A incursão da atriz Leila Lopes (ex-global) pelos filmes pornográficos, e o tratamento dado a ela pelo grande público, ilustra bem o posicionamento hipócrita do brasileiro que consome, mas condena a pornografia. Semelhante fenômeno ocorre em relação à prostituição, fomentada e amaldiçoada pelos mesmos atores sociais, permanecendo na clandestinidade, sem uma legislação que regulamente e proteja estes profissionais. Por outro lado, a escolha de um exercício de uma sexualidade livre, a troca de parceiros, só é bem-vinda e aplaudida se praticada por homens heterossexuais. Quantas vezes o sexo monogâmico (sacramentado pelo amor) não se revela como mera falácia discursiva?




Por fim, a questão mais espinhosa, e que foi tratada pelo filósofo Luis Felipe Pondé, em sua coluna na Folha de São Paulo, intitulada Sade de Batina, nos coloca diante de uma delicada, controversa e discutível questão: a pedofilia. A defesa da diversidade sexual deveria incluir a defesa do sujeito que se interessa sexualmente por menores de idade? Seria essa uma sexualidade consensual e saudável para ambas as partes envolvidas? Pelo visto, os debates de gênero e sexo serão sempre necessários e mais do que pela produção de respostas, serão indubitavelmente válidos pela indução a novas perguntas. Mesmo que necessitemos sim, de algumas respostas – ainda que provisórias – diante dos múltiplos questionamentos.


quinta-feira, 4 de março de 2010

sonho





novamente o escuro . desejo de ver o detrás, o depois, o além. Tento escavar - ir até o fim (ou começo)- mas não me é permitido ... enxergar... Angústia me atinge, inunda. Sigo... O ar se torna rarefeito. A respiração esmorece,o sufoco cresce. É insuportável. Tento acordar.

quarta-feira, 3 de março de 2010

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Era meu sangue em potes; depois de agulhas; não uma porção de batatas fritas

era meu sangue em potes, depois de agulhas; não uma porção de batatas fritas. Era eu, novamente escorregando... pela pista. carros ao lado, trafegando imunes (à mim) ...me ignorando. Não sabia mais onde chegar- que destino? A cada passo - em falso? - descia a rua íngreme, me dilapidando,me fazendo em fatias


e, procurei com desespero e teatralidade imitar a forma humana e cotidiana de por pé ante pé; andar. com simplicidade. Com a máscara neutra. Só se efetuava uma dança. Sem efeitos. Não fui notado.


Tivesse eu a coragem para esvaziar meus olhos, como Édipo... para deixar de ver ... era inútil. Era irreversivelmente visível. Claro. Como se houvessem tantos holofotes. Um generoso close. Longo e monótono. com movimentos comedidos...

Como seria feliz se não soubesse. Se pudesse, novamente,como quando criança, correr para um espelho e representar. Representar, representar,representar. Um presente duplo. Um estar presente , ausente de mim, ausente da realidade. Inventava um tom de voz distante do meu; não raras vezes, alterava meu sexo, adulterando, assim, minha dor, minha pequenez, minha fragilidade. Ressignificando minha identidade, pondo-a em trânsito constante e irrepresável.

Eu era ínfimo diante do mundo. Aquele mundo de cinismo, falsidade, o exército enfileirado do vazio. As mesmas vozes repetindo os mesmos repertórios . À exaustão. Toda aquela podridão, lixo, detritos. E eu sonhando canduras. E eu doce . Como uma virgem-medieval. E eu , ridiculamente debruçado sobre livros, lendo versos de amor. Acreditando no amor.Eu distante daquele mundo, tão mudo pra mim, porque eu era oco e solto, solto.

Flutuava.

Então eu me calava. E era eu comigo mesmo que sorria, fantasiava,e,de algum modo, torto e rarefeito, vivia. Ensaiava viver. Ou sentava em um canto, chorando abafado, pra não ser descoberto por ninguém. Os soluços trancados na garganta pesada, dolorida. Machucada. Naquele tempo eu sou uma criança rejeitada, que nunca chegará a ser amada.


Aquele eu-tempo-passado... passou ?


O Real não pode ser evitado. Pensei, como disse Fernando, que pudesse tomar mais um drinque, para esquecer. Sei das tomadas, dos capítulos próximos, ... um drinque seria só mais um drinque. Só mais uma ressaca. A tempestade em mim é mais devastadora. Faz dos sonhos, escombros. Relampeja.


(porque fui tão estúpido? só quis ser feliz, )


Nunca amei como amo . das vértebras à epiderme.cada palavra dita ganhando o mundo substanciosa, carnal.Visceralmente verdadeira. Meio fluxo sanguíneo, meio neon.







Mas o grande organismo do tempo, me mastiga; me faz em trapos: estralhaça. Minha carcaça atrairá moscas e urubus? Quando se é verdadeiro, se é massacrado.Assim como quando há uma entrega irrestrita ao amor, se é premiado com traições.


Eu trêmulo escrevendo D E L G A D O em uma faixa branca.O negro da tinta se espalhando em borrões delineados.










(Deixo a tua casa)Como essa chuva não-ácida mas corrosiva, que não é como as outras chuvas... Aquelas primeiras. Eu te dava os dedos e a palma e te sentia ... e enfrentava censores, famílias inteiras: duas. Tinha uma espada na alma e um escudo de desejo no corpo.

Dividíamos a cama, o calor. E eu criei posses imaginárias para te presentear. Enfeitei meus toscos recursos, para ser aconchegante... mas fui pouco. bem pouco. Meu peito é quase largo, mas não é um tanque de combate.

Cem mil vezes apunhalado. Pela opressão dos outros, tão cooperativa e sensata. A prepotência do senso comum, preponderando, deliberando... Cem mil vezes apunhalado. Pelos meus sentimentos.



Pus minha assinatura em pedaços de carne sangrentos. Meu ventre latejava doído.

Eu não mais sentia ódio. Era só o paroxismo da melancolia. Como se fosse a primeira-última-e-derradeira. Como é difícil, mas necessário.

Estou sozinho, sem estacas, sem tutores. Sem verbo de lamento.
















Sem beleza.

- O que você acha desses diretores que dizem que uma atriz não é completa se ela não faz teatro?
-Não acho nada. Não me preocupo com a opinião de quão completa eu possa ser ou não de alguém que não me conhece.